DECISÃO
(DEFERIMENTO PARCIAL DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA)
Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, ajuizada
pelo Ministério Público Federal em face do Conselho Regional de
Odontologia do Ceará – CRO, objetivando provimento jurisdicional que
determine a adoção do regime estatutário disposto na Lei nº 8.112/90 para
os atuais e futuros servidores que venham a ingressar nos quadros do
referido conselho mediante concurso público.
Afirma o MPF que, a partir de representação anônima, teve conhecimento do
concurso público promovido pela
Demandada para provimento de seus quadros,
regido pelo edital nº 01/2013, o qual prevê, em seu item 13.2, que a
contratação dos aprovados no certame será regulada pelo regime celetista,
o que entende violar o disposto no art. 391 da CF/88, bem como o art. 1º2
da Lei nº 8.112/90.
Assevera, pois, que já está pacificado perante os Tribunais Superiores o
entendimento de que os servidores dos conselhos de fiscalização
profissional devem se submeter às regras da Lei nº 8.112/90, portanto, ao
regime estatutário, uma vez que tais conselhos ostentam a natureza de
autarquia federal.
A título de antecipação de tutela, requer que este Juízo determine ao Réu
a adoção de medidas administrativas necessárias ao reconhecimento dos
atuais e futuros servidores que comprovadamente tenham ingressado mediante
aprovação em concurso público como estatutários, bem assim que seja
obstada a contratação de novos servidores para compor o seu quadro de
pessoal sob o regime celetista.
Acompanham a inicial cópia do Procedimento Administrativo de nº
1.15.0100.000879/2013-34, às fls. 14/102.
Era o que havia de importante a relatar. DECIDO.
Para a concessão do provimento de urgência faz-se necessária a
coexistência de dois requisitos legais, a saber: a relevância da
fundamentação e o perigo de ineficácia do provimento final. Além desses
requisitos, o Juiz necessita averiguar o perigo de irreversibilidade da
medida antecipada, bem como as vedações legais existentes.
In casu, da análise da argumentação e da documentação apresentada pelo
Ministério Público Federal, bem como mediante um sopesamento entre os
riscos que pairam sobre os direitos em conflito, concluo ser possível a
concessão da provisão antecipatória requerida tão somente para que se
abstenha a Promovida de contratar novos servidores para o seu quadro de
pessoal no regime celetista.
Inicialmente, destaco que inexistem dúvidas acerca do enquadramento dos
conselhos profissionais como autarquias, conforme já decidiu o STF na ADI
nº 1.717, cujo trânsito em julgado ocorreu em 11/04/2003. Assim,
reconhecida a natureza de autarquia federal para as entidades de
fiscalização profissional, resta definir-se a qual regime devem ser
submetidos os seus servidores.
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a contratação de
servidores, pelos conselhos de fiscalização profissional, tanto pelo
regime estatutário quanto pelo celetista era possível, nos termos do
Decreto-Lei 968/69, o que foi alterado pelo art. 39, caput, em sua redação
original, in verbis:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos
de carreira para os servidores da administração pública direta, das
autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4).
Para regulamentar o disposto na Constituição, o legislador inseriu na Lei
8.112/90 o art. 253, § 1º, pelo qual os funcionários celetistas das
autarquias federais passaram a ser servidores estatutários, não mais sendo
admitida a contratação em regime privado, situação que perdurou até a
edição da Emenda Constitucional 19/98, que ao modificar a redação do art.
39, caput, da Constituição Federal, extinguiu a obrigatoriedade do Regime
Jurídico Único.
Contudo, no julgamento da medida cautelar da ADI nº 2.135, o Supremo
Tribunal Federal decidiu suspender a vigência do caput do art. 39 da Carta
Política de 1998 com a redação modificada pela EC nº 19/98, restabelecendo
a redação original do dispositivo outrora citado. Assim, voltou a ser
observada a obrigatoriedade do regime jurídico único para os servidores da
administração pública direta das autarquias e das fundações públicas e que
havia cessado com a EC nº 19/98, apenas ressalvando-se as situações
consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da EC nº 19/98.
Nesse sentido vêm se posicionando os Tribunais Superiores, como se
depreende da decisão adiante transcrita:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE
PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INADMISSIBILIDADE.
CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIAS
CORPORATIVAS. REGIME JURÍDICO DE CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS. CONVERSÃO DO
REGIME CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 8.112/90.
DEMISSÃO IRREGULAR. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.649/98. (…).
3. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de que, por força no
disposto no
Decreto-Lei nº 968/69, o regime dos funcionários dos Conselhos
de Fiscalização de Profissões era o celetista. Após a Constituição Federal
de 1988 e com o advento da Lei nº 8.112/90, foi instituído o regime
jurídico único, sendo os funcionários dessas autarquias alçados à condição
de estatutários, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº
19/98 e a entrada em vigor da Lei nº 9.649/98, a qual instituiu novamente
o regime celetista.
4. No julgamento da ADI nº 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade do art. 58 e seus §§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da
Lei nº 9.649/98, afirmando que os conselhos de fiscalização profissional
possuem natureza de autarquia de regime especial, permanecendo incólume o
art. 58, § 3º, que submetia os empregados desses conselhos à legislação
trabalhista.
5. Posteriormente, no julgamento da ADI nº 2.135 MC/DF, foi suspensa a
vigência do caput do art. 39 da Constituição Federal, com a redação dada
pela EC nº 19/98.
Dessa forma, subsiste, atualmente, para a Administração
Pública direta, autárquica e fundacional, a obrigatoriedade de adoção do
regime jurídico único, ressalvadas as situações consolidadas na vigência
da legislação editada nos termos da aludida emenda declarada suspensa.
(…).
7. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no REsp 1164129
/ RJ, Relator(a) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150), Órgão Julgador T5
– QUINTA TURMA, Data do Julgamento 05/02/2013, Data da Publicação/Fonte
DJe 15/02/2013).
Ressalto, ainda, que não houve o julgamento definitivo da ADI nº 2.135-MC,
conforme pode ser conferido no sítio eletrônico da Suprema Corte.
Nesse contexto, com a cognição não exauriente inerente ao momento
processual, tenho que as alegações do MPF são verossímeis, uma vez que
está em plena vigência no ordenamento pátrio a obrigatoriedade do regime
jurídico único para os servidores da administração pública direta, das
autarquias e das fundações públicas, previsto na Lei nº 8.112/90.
Nada obstante, haja vista o caráter precário da decisão do STF sobre a
repristinação da redação original do art. 39, caput, da CF, penso que não
é o caso de se deferir a medida requerida pelo MPF em todos os seus
termos. Assim, apenas deve a Promovida evitar novas contratações de
servidores sob o regime da CLT que, como visto, não encontra guarida no
ordenamento jurídico vigente. O perigo da demora é evidente, ante a
possibilidade de haver novas contratações até o julgamento final da
demanda.
Diante do exposto, defiro parcialmente, inaudita altera pars, o pedido de
antecipação dos efeitos da tutela para o fim determinar que o Conselho
Regional de Odontologia do Ceará se abstenha de contratar novos servidores
para o seu quadro de pessoal no regime da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Desta decisão dê-se ciência, por mandado, à Promovida, para que a cumpra
imediata e integralmente, sob pena de cominação de multa diária.
Ressalte-se que o descumprimento da presente ordem pode gerar a
responsabilidade – administrativa, civil e penal – do próprio agente
competente para a sua efetivação.
Intimem-se. No mesmo ato, cite-se o Réu.
Expedientes necessários e urgentes, a serem cumpridos em regime de
PLANTÃO.
Fortaleza, 02 de agosto de 2013.
Elise Avesque Frota
Juíza Federal Substituta da 8ª Vara
1 Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos
de carreira para os servidores da administração pública direta, das
autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4)
2 Art. 1o Esta Lei institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos
Civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das
fundações públicas federais.